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Renascimento de Ana: Quando o Planeamento Familiar traz vida e esperança

Ana estava exausta. Não apenas fisicamente, mas emocionalmente. Aos 34 anos, ela já havia passado por seis gravidezes consecutivas, mal tendo tempo de se recuperar entre uma e outra. No povoado de Ntete, em Balama, província de Cabo Delgado isso era comum.

A cada nova gravidez, os olhares de reprovação aumentavam e os sussurros dos vizinhos se tornavam mais altos. “Lá vem ela, grávida de novo”, diziam. Mas o que ninguém sabia era o peso que Ana carregava e a sensação de estar presa num ciclo sem fim. “Eu não sabia que havia uma maneira diferente de viver. Nasci e cresci vendo as mulheres à minha volta terem filhos, um após o outro. Para mim, isso era o normal”, confessa Ana.

A verdade é que o acesso ao planeamento familiar na província de Cabo Delgado ainda é extremamente limitado. Apenas 35% das mulheres têm acesso a métodos contraceptivos modernos e Ana não fazia parte dessa minoria. Então, veio a sétima gravidez. Diferente das outras, desta vez, o seu corpo deu sinais de que não aguentava mais. “Minhas pernas incharam, meu rosto ficou deformado. Mal conseguia respirar”, lembra.

Foi quando, num momento de desespero, Ana foi levada ao hospital de Balama, que, sem condições adequadas, a encaminhou para o hospital distrital de Montepuez. A cesariana foi inevitável. Sem sangue disponível na unidade sanitária, a família teve que vender toda a sua colheita para pagar o tratamento. Ana sobreviveu, mas sentiu que algo dentro dela havia morrido. “Voltei para casa debilitada, magra, sem forças. Meu marido mal me olhava. Ele encontrou outra mulher. Eu me sentia feia e sem valor”, diz, com tristeza.

Mas a história de Ana não terminaria ali. A esperança surgiu de onde ela menos esperava: um activista da Fundação Wiwanana, que já havia tentado várias vezes sensibilizar a família sobre planeamento familiar. Da primeira vez, António, o marido de Ana, reagiu com violência. “Ele achou que o activista estava a se meter na nossa vida. Chegou a ameaçá-lo com uma catana, achando que havia alguma coisa entre nós”, conta Ana, ainda incrédula.

O activista não desistiu. Mesmo após a ameaça, ele voltou, determinado a ajudar. “Meu marido não ouvia nada que eu dizia. Mas o activista não se rendeu. Continuou a explicar os benefícios do planeamento familiar. Ele sabia que precisávamos de ajuda”, conta. Depois da sétima gravidez e de quase perder a esposa, António finalmente entendeu. Foi ele quem, após semanas de reflexão, procurou o activista e pediu para que voltasse. “Eu já não aguentava mais ver minha esposa sofrer”, admitiu. O activista não guardou rancor. Voltou à casa e apresentou opções como o Depo, pílulas e preservativos. Desta vez, Ana e António aceitaram.

Dois anos se passaram desde então, e Ana não engravidou novamente. Ela recuperou as forças, a saúde e a autoestima. “Sinto que renasci. Agora, posso cuidar dos meus filhos, posso trabalhar na machamba e meu marido voltou a me olhar com amor. Hoje, ele me respeita e ajuda nas tarefas da casa”, conta Ana com um sorriso no rosto.

A transformação na vida de Ana e António é um exemplo do impacto que o planeamento familiar pode ter nas comunidades. “Agora, até ampliamos nossa machamba. Produzimos mais milho do que nunca, porque eu tenho forças. Este projecto salvou a minha vida. Espero que chegue a mais aldeias e ajude outras mulheres”, sonha Ana.

 A realidade em Moçambique, no entanto, ainda é preocupante. Segundo a Primeira-Dama da República, Isaura Nyusi, uma em cada duas mulheres entre 15 e 19 anos é mãe, e muitas perdem a vida devido a complicações relacionadas à gravidez precoce ou ao parto. A Fundação Wiwanana com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), tem sido essencial na distribuição de contraceptivos e na formação de profissionais de saúde para mudar o cenário. Em 2020, o programa alcançou mais de 203.000 novos utilizadores de métodos contraceptivos modernos, como Ana. O renascimento de Ana é mais do que uma história pessoal – é um reflexo da luta de milhares de mulheres moçambicanas que ainda não têm controlo sobre os seus próprios corpos e vidas. Mas, com esforços como os da Fundação Wiwanana e do UNFPA, há uma luz no fundo do túnel.

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